domingo, janeiro 30, 2005
Por que não ser também um chato?
Sempre sofri o ataque inesperado do primo chato, do amigo chato, do chato ocasional que nem espera ser apresentado.
E queria saber como (na certa querendo ser simpático) teria ele chegado à solidão da chatidão.
Mas de repente me percebi sem ser doutor, que a chatice é a única doença que não dói no portador. E resolvi ser chato.
Desfaço agora com o máximo desdém de quem tem e de quem não tem. Sei ser blasê diante da maior obra de arte. E no teatro, ao começar a interpretação, eu, zás!, me viro de costas para comentá-la com o sujeito de trás.
Falo alto na igreja e baixinho diante dos que ouvem mal. Bocejo de tédio quando alguém me olha e me visto sempre de maneira imprópria para a ocasião.
Quando me falam de livro, respondo - "E as mulheres, como vão?"
Nunca ouço o que dizem, falo sempre de mim mesmo, não respeito compromissos e troco nomes a esmo.
Ah, ser chato é muito diferente de suportar um chato. Suportar é quase doloroso. Mas sê-lo é delicioso!
E o que é melhor, amigo, todos os chatos evitam tratar comigo.
(Poeminha maçante - por Millôr Fernandes em "Papáverum Millôr")