domingo, outubro 05, 2003



Pra lá desse quintal...

Da janela do meu quarto vejo o "Manoel de Nóbrega", colégio em que estudei todo o ensino fundamental. Foi ali, naquele colégio, que aconteceu a minha admissão na sociedade moderna. Até então, estava acostumado com o meu mundo inatingível de infinitas horas de brincadeiras nos quintais. E de repente, de um dia para o outro, me vi ali confinado em fileiras, tendo que conviver com pessoas de mesma faixa etária, sendo obrigado a seguir rituais estranhos, como cantar o hino nacional, usar uniformes, rabiscar códigos esquisitos em cadernos de brochura, obedecer sirenes.

"O meu primeiro dia na escola, como eu senti vontade de ir embora, fazia tudo que eles quisessem, acreditava em tudo que eles me dissessem..."

Mas também foi ali, naquele confinamento, que recebi o meu primeiro beijo. E não longe dali, no portão de entrada para ser mais exato, recebi minha primeira porrada.
Sempre que volto lá, em épocas de dever cívico, olho atentamente todo o trajeto que faço, e me imagino criança novamente, correndo no pátio nos intervalos, pulando o muro ao lado da quadra quando tínhamos aulas com professores substitutos.

Me lembro das festas juninas, dos bailes nas salas de aula, dos trabalhos na biblioteca, dos encontros atrás da cantina.

Lembro-me de alguns nomes, de alguns rostos e de algumas cenas. Como por exemplo de Célia, a primeira garota por quem me apaixonei. Ela tinha uns doze anos e namorava um "brutamontes" de catorze.
Que chances teria um garoto de onze anos? A chance de expor sua veia poética, com cartas de amor abarrotadas de poesia nonsense. Um beijo e uma porrada na mesma semana, em proporções inesquecíveis.

"Os garotos da escola só a fim de jogar bola, e eu queria ir tocar guitarra na tevê..."

Um dia marquei um encontro com a Sueli, a burguesa, no intervalo. Arquitetei diversas vezes as frases que iríamos falar, o beijo que iríamos dar. No mesmo dia, um amigo também marcou um encontro com a garota. "Eu não sabia que você havia marcado um encontro com ela." - desculpava-se meu amigo. "Eu também não sabia, se soubesse teria deixado o caminho livre."
Esse excesso de amizade e gentileza, fez com que os dois não ficassem com a garota. Mas amizade e amor não andam de mãos dadas, essa cena nos perseguiu durante todo o ginásio, com outras garotas. E fomos obrigados a nos transformarmos em oponentes.

Depois de todo esse tempo, o estranho é que apesar de ter concluído o ensino médio e superior em outras instituições, é o "Manoel de Nóbrega" que serve de cenário nos sonhos noturnos que tenho, todas as vezes que sonho estudando.

Mas hoje o "Manoel de Nóbrega" me parece mais distante. Estou de mudanças. Me mudarei de quarto, de casa, de vida, de estado civil.

O "Manoel de Nóbrega" permanecerá ali através da janela. De uma janela que não voltarei mais a observar. E permanecerá também nos meus sonhos. Os mais remotos...